Platão.
Em Banquete dado aos amigos após Agatão ganhar um concurso
de tragédias, conversam Agatão e Sócrates sobre o amor.
Agatão faz o elogio do amor:
sustenta que deus Amor é o mais feliz, porque o mais belo, e o melhor; é o mais
novo, não o mais antigo dos deuses. Os problemas e conflitos entre os deuses
ocorreram pó Necessidade, não por Amor, pois onde Amor reina, há amizade e paz.
Amor é sempre jovem e, além disso, delicado: não é sobre a terra que ele anda,
“mas no que há de mais brando entre os seres”; afasta-se das almas em que
encontre um costume rude, habitando as de costume delicado. Sua constituição é
úmida; se fosse seco, não poderia amoldar-se a todas as formas, entrar e sair
das almas. Amor não comete nem sofre injustiça, não cede à força, “pois
violência não toca em Amor”. Ele é justo: “todo homem de bom grado serve em tudo ao Amor”. Ele é justo: temperante, equilibrado: nenhum prazer o domina; ele domina os
desejos. Amor é sábio e torna os outros sábios: qualquer um torna-se poeta
desde que tocado por ele; torna-se célebre e ilustre todo discípulo do Amor.
Manifestando-se a seguir, Sócrates pergunta a
Agatão se o amor possui ou não um objeto que se refira a ele, ou seja, se “o
Amor é amor de nada ou de algo”. Agatão responde:
[Dialogo entre Sócrates e style='color:blue'>Agatão se Inicia]
-De algo, sim.
-Isso então, guarda contigo,
lembrando-te de que é que ele é amor; agora dize-me apenas o seguinte: Será que
o Amor, aquilo que é amor, ele deseja ou não?
-Perfeitamente
-E é quando tem isso mesmo que
deseja e ama que ele então deseja e ama, ou quando não tem?
-Quando não tem, como é bem
provável.
-Observa bem, se em vez de uma
probabilidade não é uma necessidade que seja assim, o que deseja aquilo de que
é carente, sem o que não deseja se não for carente. É espantoso como me parece,
Agatão, ser uma necessidade; e a ti?
-Também a mim
-Tens razão. Pois porventura
desejaria quem já é grande ser grande, ou quem já é forte ser forte?
-Impossível, pelo que foi admitido.
-Com efeito, não seria carente disso
o que justamente é isso.
-É verdade o que dizes.
-Se, com efeito, mesmo o forte
quisesse ser forte, e o rápido ser rápido, e o sadio ser sadio – pois talvez
alguém pensasse que nesses e em todos os casos semelhantes os que são tais e
têm essas qualidades desejam o que justamente têm, e é para não nos enganarmos
que estou lhe dizendo isso – ora, para estes, Agatão, se atina bem, é forçoso
que tenham no momento tudo aquilo que têm, quer queiram, quer não, e isso mesmo,
sim, quem é que poderia desejá-lo? Mas quando alguém diz: “Eu, mesmo sadio,
desejo ser sadio, e mesmo rico, ser rico, e desejo isso mesmo que tenho”,
poderíamos dizer-lhe: “Ó homem, tu que possuis riqueza, saúde e fortaleza, o
que queres é também no futuro possuir esses bens, pois no momento, quer queiras
quer não, tu os tens"; observa então se, quando dizes “desejo o que tenho
comigo”, queres dizer outra coisa senão isso: “quero que o que tenho agora
comigo, também no futuro eu o tenha.” Deixaria ele admitir?
Agatão estava de acordo
- Não é isso então amar o que ainda
não está à mão nem consigo, o que não tem, o que não é ele próprio e o que é
carente; tais são mais ou menos as coisas de que há desejo e amor , não é?
-Perfeitamente
-Vamos então, recapitulemos o que
foi dito. Não é certo que é o Amor, primeiro de certas coisas, e depois,
daquelas de que ele tem precisão?
-Sim
- Depois disso então, lembra-te de
que é que em teu discurso disseste ser o Amor; que aos deuses foram arranjadas
suas questões através do amor do que é belo, pois do que é feio não havia amor.
Não era mais ou menos assim que dizias?
-Sim, com efeito
-E acertadamente o dizes, amigo, e
se é assim, não é certo que o amor seria da beleza, mas não da feiúra?
Agatão concorda.
-Não está então admitindo que aquilo
de que é carente e que não tem é o que ele ama?
-Sim
-Carece então de beleza o Amor, e
não tem?
-É forçoso.
-E então? O que carece de beleza e
de modo algum a possui, porventura dizes tu que é belo?
-Não, sem dúvida.
-Ainda admites, por conseguinte que
o Amor é belo, se isso é assim?
-É bem provável, ó Sócrates, que
nada sei do que então disse?
-E, no entanto. Bem que foi belo o
que disseste, Agatão. Mas diz-me ainda uma pequena coisa: o que é bom não te
parece que também é belo?
-Parece-me, sim.
-Se portanto o Amor é carente do que
é belo, também do que é bom seria ele carente?
-Eu não poderia, ó Sócrates,
contradizer-te: mas seja assim como tu dizes.
-É à verdade, querido Agatão, que
não podes contradizer, pois a Sócrates não é nada difícil... E a ti deixarei
agora; mas o discurso que sobre o Amor eu ouvi um dia, de uma mulher de Mantinéia,
Diotima, que nesse assunto era entendida e em muitos outros – foi ela que uma vez,
porque os atenienses ofereceram sacrifícios para conjurar a peste, fez por dez
anos recuar a doença, e era ela que me instruía nas questões do amor – o
discurso então que me fez aquela mulher eu tentarei repetir-vos, a partir do
que foi admitido por mim e por Agatão, com meus próprios recursos e como eu
puder. É de fato preciso Agatão, como tu indicaste, primeiro discorrer sobre o
próprio Amor, quem é ele e qual a sua natureza e depois sobre as suas obras.
Parece-me então que o mais fácil é proceder como outrora a estrangeira, que
discorria interrogando-me, pois também eu quase que lhe dizia outras tantas
coisas tais quais agora me diz Agatão, que o Amor era um grande deus, e era do
que é belo: e ela me refutava, exatamente com estas palavras, com que eu estou
refutando a este, que nem era belo segundo minha palavra,nem bom. E eu então: -
Que dizes, ó Diotima? É feio então o amor, e mau?
[Sócrates conta para style='color:blue'>Agatão o dialogo entre ele e Diotima]
-Não vais te calar?Acaso pensas
que o que não for belo é forçoso ser feio?
-Exatamente
-E também se não for sábio é
ignorante? Ou não percebes que existe algo entre sabedoria e ignorância?
-Que é?
-O opinar certo, mesmo sem poder
dar razão, não sabes, dizia-me ela, que nem é saber – pois o que é sem razão,
como seria ciência? – nem é ignorância – pois o que atinge o ser como seria
ignorância? – e que é sem duvida alguma coisa desse tipo a opinião certa, um
intermediário entre entendimento e ignorância.
-É verdade o que dizes.
-Não fique, portanto, forçando o
que não é belo a ser feio. Nem o que não é bom a ser mau. Assim também o Amor,
porque tu mesmo admites que ele deve ser feio e mau, mas sim algo que está,
dizia ela, entre esses dois extremos.
-E todavia é por todos reconhecido
que ele é um grande deus.
-Todos os que não sabem, é o que
estás dizendo, ou também os que sabem?
-Todos eles, sem dúvida.
Ela sorriu e disse:
-E como, ó Sócrates, admitiriam
ser um grande deus aqueles que afirmam que nem deus ele é?
-Quem são estes?
- Um és tu, e eu outra.
-Que queres dizer com isso?
-É simples. Dize-me, com efeito,
todos os deuses não os afirmas felizes e belos? Ou terias a audácia de dizer
que algum deles não é belo e feliz?
-Por Zeus, não eu.
-E os felizes então, não dizes
que são os que possuem o que é bom e o que é belo?
-Perfeitamente.
-Mas no entanto, o Amor, tu
reconheceste que, por carência do que é bom e o que é belo, deseja isso mesmo
de que é carente.
-Reconheci, com efeito.
-Como então seria deus o que
justamente é desprovido do que é belo e do que é bom?
-De modo algum, pelo menos ao que
parece.
-Estás vendo então, que também tu
não julgas o Amor um deus?
-Que seria então o Amor? Um mortal?
-Absolutamente.
-Mas o quê, ao certo, ó Diotima?
-Como nos casos anteriores, algo
entre mortal e imortal.
-O quê, então, ó Diotima?
-Um grande gênio, ó Sócrates; e
com efeito,tudo o que é gênio está entre um deus e um mortal.
-E com que poder?
-O de interpretar e transmitir
aos deuses o que vem dos homens,e aos homens o que vem dos deuses, de uns as
súplicas e os sacrifícios; e como está no meio de ambos ele os completa, de
modo que o todo fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que
procede não só toda arte divinatória(Arte da adivinhação), como também a dos
sacerdotes que se ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e
enfim de toda adivinhação e magia. Um deus com um homem não se mistura, mas
através desse ser que se faz todo o convívio e diálogo dos deuses com os
homens, tanto quando despertos como quando dormindo; e aquele que em tais
questões é sábio é um homem de ofício, é um artesão. E esses gênios, é certo,
são muitos e diversos, e um deles é justamente o Amor.
-E quem é seu pai, e sua mãe?
-É um tanto longo de explicar,
todavia, eu te direi. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e
entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que
acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta.
Ora, Recurso, embriagado com o néctar – pois vinho ainda não havia – penetrou o
jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de
recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o
Amor. Eis porque ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu
natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também
Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a
condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de
ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem
lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos
caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso,
decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de
sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago,
feiticeiro, sofista; e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia
ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita,
graças a natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem
empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e
da ignorância. Eis com efeito o que se dá. Nenhum deus filosofa ou deseja ser
sábio, pois já é, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem também
os ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o
difícil da ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil, nem
inteligente, que lhe basta assim. Não deseja portanto quem não imagina ser deficiente
naquilo que não pensa lhe ser preciso.
-Quais então, Diotima, os que
filosofam, se não são nem os sábios nem os ignorantes?
-É o que é evidentes desde já,até
a uma criança: são os que estão entre esses dois extremos, e um deles seria o
Amor. Com efeito, uma das coisas mais belas é a sabedoria, e o Amor é amor pelo
belo,de modo que é forçoso o Amor ser filósofo, e sendo filósofo, estar entre o
sábio e o ignorante. E a causa dessa sua condição é a sua origem: pois é filho
de uma pai sábio e rico e de uma mãe que não sábia, e pobre. É essa então , ó
Sócrates, a natureza desse gênio; quanto ao que pensaste ser o Amor, não é nada
de espantar o que tiveste. Pois pensaste,ao que me parece a tirar pelo que
dizes, que Amor era o amado o não amante; eis porque, segundo penso, parecia-te
todo belo o Amor. E de fato o que é amável é que é realmente belo, delicado,
perfeito e bem-aventurado; o amante, porém, é outro o seu caráter, tal qual eu
expliquei.
-Muito bem, estrangeira!É belo o que
dizes!
3 comentários:
Preciso pegar esse livro pra ler...
Devo dizer que fiquei meio confusa até a tal mulher começar a falar. Mas agora faz mesmo sentido.
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